O desenvolvimento da consciência ecológica na educação infantil
Adriela Balotin
Meridiana Bernardi
Resumo: A consciência ecológica deve estar a cada dia mais presente na
realidade escolar, pois se sabe da necessidade crescente de preservar o
meio ambiente para a vida atual e futura. Pensando nisso, a Escola
Municipal de Educação Infantil Tio Luiz MARAU-RS criou e vem
desenvolvendo um projeto ambiental que oportuniza as crianças a
construção de brinquedos com materiais recicláveis, elementos até então
descartados por suas famílias. Seguindo a idéia de preservação, criou e
implantou uma horta onde os pequenos tem a possibilidade de manter
contato com a terra e ainda, a seu modo, terão que manter o bom
funcionamento da mesma. Atividades essenciais para a construção de um
olhar sensível à natureza, desde a sua atual idade, ou seja, 3 e 4 anos.
Palavras chave: Consciência ecológica, horta, reciclagem, criança.
Este artigo pretende mostrar o desenvolvimento do projeto sobre
cidadania e consciência ecológica que esta sendo desenvolvido durante o
ano letivo de 2011, com 43 crianças, na faixa etária entre três e cinco
anos, alunos do Jardim I e II da EMEI Tio Luiz, escola pública no
município de Marau - RS. Pela relevância dos comentários, serão
inseridas falas e entrevistas de pais e alunos. Por ética e respeito
ao anonimato, os participantes serão nominados pelas letras: A, B, C.
O projeto leva em consideração a triste situação a qual se encontra o
nosso planeta, onde a cada dia nos mostra a urgência de mudanças
drásticas pelos seres humanos, a exemplo da devastação das florestas que
continuam sendo cortadas, sendo que a tendência é o aumento do número
de desastres naturais, muito maiores dos que já estão ocorrendo.
Acreditamos que se trabalharmos com as crianças pequenas tentando
conscientizá-las sobre a importância
da preservação ambiental, esta será uma atitude levada para a vida
futura, pois é de conhecimento que é na primeira infância que se
estabelece o desenvolvimento das aprendizagens.
Cabe a escola o papel de mostrar as formas de preservar o meio ambiente e
assim impedir a destruição da própria espécie futuramente. Ajudando as
crianças a mudar de atitude e assim transformando-se em cidadãos
conscientes na defesa do planeta. O professor trabalhando
com consciência em sala de aula acaba por envolver toda a comunidade
escolar fazendo uma reflexão em conjunto sobre a importância de
preservar o planeta tanto agora quanto a longo prazo. A Antropóloga
Lucila Pinsard reforça: “As escolas são espaços privilegiados de
formação e a Educação Ambiental é a forma de interagir com a comunidade e
operar mudanças na sociedade”. (Nova Escola, 2007, p. 48)
De nada adianta o conhecimento do professor em grandes temas ambientais
como aquecimento global, destruição das matas, se ele não for capaz de
ensinar aos pequenos a separar o lixo, reaproveitar materiais que seriam
descartados e a trabalhar as relações humanas e as conseqüências de nossas ações sobre o meio.
A população de um modo geral mostra preocupação com a devastação
ambiental, mas muitas vezes parece que muito se fala e pouco se faz na
eficiência de atitudes de preservar o planeta. PAI D comenta: “Atos
simples que no futuro representarão muito. Qualquer medida cabível é
tomada, porém às vezes sentimos que fazemos tão pouco perante a um fato
tão importante e preocupante quanto é a preservação ambiental.” Paulo
Freire, reforça o pensamento:
Por que não aproveitar a experiência que tem os alunos de viver em áreas
da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a
poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das
populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes (FREIRE, 1996, p. 30).
As pessoas não podem fugir de sua responsabilidade nas áreas de seu
interesse pessoal, quanto mais no campo da natureza, onde o interesse
deve ser global. O Planeta pertence a todos, logo todos devem e precisam
lutar pela sua defesa, para promover condições habitáveis. O
crescimento acelerado das metrópoles e do consumo de produtos
industrializados e descartáveis transformou a produção de lixo em um dos
maiores problemas da sociedade moderna. O volume de lixo tem crescido
em quantidades assustadoras, gerando escassez de áreas para o seu
destino final. Além disso, a sujeira despejada no ambiente aumentou a
poluição do solo, das águas e do ar, prejudicando as condições de saúde
da população mundial.
Na busca pelo desenvolvimento sustentável, percebe-se que poucas ações
efetivas foram realizadas. Na realidade precisa-se com urgência
reavaliar profundamente os valores e as condutas da sociedade atual a
fim de alterar o processo de degradação ambiental do Planeta Terra.
Se todas as pessoas são responsáveis, é ao professor, a quem cabe a
formação das futuras gerações. Sendo a educação considerada um processo
amplo e global, cabe ao educador participar da vida social, servindo de
exemplo aos alunos. Aspecto importante dessa participação sendo o seu
primeiro objetivo é a proposta da defesa da natureza e a preservação do
equilíbrio ecológico. Os parâmetros curriculares nacionais vêm ao
encontro dessa idéia afirmando que:
[...] a principal função do trabalho com Meio Ambiente é contribuir para
a formação de cidadãos conscientes, aptos para decidirem e atuarem na
realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o
bem-estar de cada um e da sociedade, local e regional. Para tanto, é
necessário que a escola trabalhe atitudes, com formação de valores
aliadas ao ensino e à aprendizagem de habilidades e procedimentos,
tornando-se esse o grande desafio para a educação. (BRASIL, 1997, vol.
9, p. 29).
No que tange a temáticas ligadas ao meio ambiente, um dos assuntos que
mais se salienta é a problemática do lixo, tanto no Brasil como no
exterior. Na atualidade, verifica-se que as cidades não possuem
infra-estrutura para acompanhar o crescimento populacional, gerando
falta de destino adequado ao lixo produzido pela população. Toma-se, por
exemplo, que na metade do século passado a composição do lixo era
predominantemente de matéria orgânica, de restos de comida. Entretanto,
com o avanço da tecnologia, materiais como plásticos, isopores, pilhas,
baterias de celulares e lâmpadas tornaram-se presença constante na
coleta domiciliar. Logo, dar um destino adequado tornou-se um dos
grandes desafios da administração pública em todo o Planeta.
De acordo com os meios de comunicação, no Brasil, boa parte do lixo é
simplesmente jogada em grandes terrenos, porém ainda têm locais que nem
coleta há. Aliada a esse contexto, verifica-se que a tecnologia evolui
rapidamente gerando conseqüências indesejáveis no ambiente da natureza.
Além disso, se passa a constatar uma deterioração na qualidade de vida
afetando a saúde, tanto física quanto psicológica das pessoas.
Nas palavras de Ruscheinsky e Costa (2002, p. 84) “A sociedade de
consumo da atualidade endossa princípios que levam à degradação dos bens
naturais.” Dessa forma, a educação ambiental deve ser praticada
coletivamente: “deve se dar na intersubjetividade e na intercomunicação
dos sujeitos que estão desvelando a realidade e construindo a
compreensão de fenômenos dos elementos que compõem o mundo.”.
Por reciclagem entende-se como um conjunto de técnicas as quais
objetivam aproveitar os detritos e reutilizá-los no ciclo de produção de
que saíram. Resultam de uma série de atividades em que materiais se
tornariam lixo ou já estão no lixo, porém são desviados, coletados,
separados, processados para serem usados como matéria-prima na
manufatura de novos produtos.
Dessa forma, a reciclagem é uma importante parceira do desenvolvimento
sustentável, uma vez que está vinculada a aspectos técnicos, econômicos e
sociais da relação entre o homem e o meio ambiente. Uma das formas de
promover a reciclagem é através da educação. Salienta-se ainda que esse
processo demanda tempo e perseverança, logo é imprescindível que seja
ensinado e estimulado ainda no início da vida de cada criança.
Criando e recriando a partir do meio
Na visão de Oliveira (1984, p.....), “as mãos humanas são capazes de
exprimir o que máquina alguma poderia fazer, ou seja, nossa própria
identidade, ou seja, nossa própria identidade”.
A sucata é a oportunidade que a criança tem de construir o seu próprio
brinquedo, no momento em que isso acontece também é possível explorar
relações de cor, seriação, quantidade. Porém para que isso se de forma
natural o professor deve se mostrar liberto de idéias pré-concebidas
deixando que os alunos ao seu tempo possam mostrar sua criatividade.
Além disso, o brinquedo artesanal proporciona momentos de ludicidade
para quem o cria. Assim, esses brinquedos sempre terão espaços
imprescindíveis na formação social das crianças.
Dessa forma, a sucata é um suporte potencial para qualquer atividade na
educação infantil, entretanto se deve observar alguns cuidados básicos.
Não é com todo material descartável que o aluno pode brincar. Também é
necessário que esse material esteja limpo, organizado e não ofereça
perigo. É imprescindível diferenciar sucata de lixo. (SANTOS, 2002, p.
07).
Para a construção de jogos e brinquedos com material de sucata o
essencial não é o objeto em si, mas o que ele pode oferecer. O principal
é o que um objeto de sucata pode contribuir no contexto no jogo.
Torna-se importante a construção de uma “sucatoteca”, ou seja, um
conjunto de materiais descartáveis que pressupõe limpeza, seleção e
análise da matéria-prima, tanto de forma qualitativa, quanto
quantitativa. Além disso, são necessários na visão de Santos (2002),
para a produção artesanal materiais e acessórios de boa qualidade, como
tesouras, colas, etc. e ainda espaços adequados.
Pais conscientes da importância do projeto da EMEI TIO Luiz a qual
valoriza a consciência ambiental, foram incentivados a participarem do
projeto enviando de materiais que em suas casas seria descartado no
lixo. E para nossa alegria como em outras ocasiões que foram solicitados
responderam ao chamado, como revela o Pai B: “É muito importante
aprender a preservar o meio ambiente, pois se desde pequena ela aprende a
preservar e ter a consciência de que é importante e necessário para ela
e, as pessoas que a cercam e, para os que virão futuramente, assim ela
cuidará do meio ambiente.”.
Em sala de aula foi possível desenvolver o projeto de forma efetiva e
também perceber e valorizar a participação das famílias. Como primeiro
passo as crianças tiveram acesso às sucatas manuseando-as e
classificando-as, fizeram o contato com o material que iriam usar na
construção dos elementos, originados de sua imaginação. Importante
ressaltar o quanto os brinquedos ficaram bonitos, isto possível pela
criatividade de cada sujeito, por vezes inimagináveis a olhos adultos.
As meninas optaram pela montagem de bonecas, sofás, mesas, TVs e até
vasos para plantar flores. Já os meninos com seu instinto masculino
optaram por carros, trens, robôs e armas.
Ao percebermos os objetos construídos foi possível perceber a
interdisciplinaridade entre meio ambiente/afetividade assim como a
relação individuo/planeta. O pai A nos mostra a sua preocupação quando
fala: “É muito importante, pois desde pequeno o ser humano deve saber
como cuidar do ambiente em que vive”.
Após a construção dos brinquedos e jogos, foi realizada uma feira de
sucatas, expondo para a escola toda os brinquedos construídos pelas
crianças, valorizando assim o empenho de cada um, onde cada trabalho
recebeu muitos incentivos a sua continuidade. Visto que a criança
aprende através do exemplo e pelo estimulo e, todo aprendizado jamais
será esquecido apenas aprimorado.
A importância do contato com a terra
Durante o ano de 2008, a EMEI Tio Luiz passou por uma reestruturação no
seu espaço físico ampliando o número de salas de aula, resultando na
supressão da área verde e no espaço para brincadeiras ao ar livre, onde
havia árvores e um parque aberto contendo areia e brita. No momento a
área externa esta reduzida a um parque coberto com piso de cimento e um
pequeno espaço com britas, este último pouco utilizado pelas crianças.
Crianças da atualidade, por habitarem em apartamentos, tem pouco contato
com as plantas, e aquelas que decoram suas casas, normalmente são para
serem apreciadas, quase nunca manuseadas. O pai C revela seu pensamento:
“É muito importante uma casa ter um pátio para uma criança ser livre”.
Percebendo a ausência deste contato, incentivamos os alunos a colocarem a
mão na terra, onde a primeira experiência aconteceu no ano de 2010, ao
plantarem sementes de flores em garrafas pet, percebendo ainda o
reaproveitamento de um material descartável. Esta experiência
sensibilizou as crianças, e uma prova foi o presente que um menino quis
oferecer a sua professora, no dia dos professores, pois ao ouvir a
indicação da mãe em comprar uma flor para a sua profe, ele ressaltou:
“minha profe me ensinou a plantar, então que eu planto o presente dela”.
(Aluno A)
A descoberta em dar vida a uma semente e dela surgir uma planta
entusiasmou os pequenos, e dessa atitude surgiu à idéia de se criar uma
horta, no espaço onde até então havia brita. Essencial é a crença de que
não é apenas largar uma semente na terra e acompanhar o seu
desenvolvimento e sim o “plantar juntos” a consciência ecológica.
Ruscheinsky e Costa reforçam a importância deste pensamento:
[...] o processo de educação, voltado para um relacionamento
diferenciado com o meio ambiente, requer a apropriação da realidade por
meio da ação-reflexão. O movimento dialético da práxis, como basilar da
educação ambiental, encaminhará homens e mulheres ao reconhecimento do
seu meio, à assunção como produtores de um alimento nobre e à autonomia
de decisão [...]. (2002, p.73)
A partir disso muitas conversas aconteceram com os pequenos, enfatizando
a importância das plantas, do consumo de alimentos saudáveis, do
contato com a terra, para somente depois começarmos a construção da
horta. Professoras e alunos participaram voluntariamente da construção
da horta, que iniciou com a retirada de britas em mutirão, munidos de
baldes e pás de kits praia, onde essa atividade se transformou numa
grande brincadeira, pois naquela manhã enquanto alguns alunos usavam o
parque, outros enchiam seus baldes, cantavam suas músicas preferidas,
comprovação da satisfação do seu “trabalho”. Na seqüência foi preciso
carregar a terra que estava fora do pátio escolar até os canteiros, com
nova jornada de trabalho e as mesmas ferramentas. O aluno B nos mostra o
quanto essa atividade foi importante no seu desenvolvimento dizendo:
“Eu queria que tivesse brita e terra assim onde eu moro pra brinca de
baldinho”.
Após esse processo organizacional começou o plantio propriamente dito.
Inicialmente com a semeadura de salsa, doada por uma das serventes da
escola e, de cenoura doação de um aluno do turno da manhã. Também houve o
plantio de mudas de alface, doadas por uma aluna do turno da tarde.
Essas doações mostram o envolvimento das famílias em ajudar o projeto a
acontecer, pois além do apoio, mandaram para a escola os materiais
necessários. O aluno C nos expõe a sua alegria com o plantio: “Profe que
legal, é aqui que nós vamos plantar alface. E ela vai crescer?”.
Considerações finais
Feliz da criança que ainda pode manusear a terra, pois sabemos o quanto
este contato pode vir a acrescentar na vida futura destes pequenos
cidadãos. Sabemos que na educação nenhum resultado é imediato, mas que
tudo o que for incentivado na primeira infância ajudará na formação de
cidadãos conscientes de seu papel na sociedade, sabendo tomar decisões
sem a necessidade constante de intervenções, visto que o meio ambiente
faz parte da vida de qualquer ser humano.
O professor é considerado o detentor do saber do qual a criança ainda
não domina, pois carrega esta experiência e assim consegue transmitir a
mensagem de preservação e respeito à vida. Acreditamos que este
conhecimento não será esquecido, e sim relembrado, nas diversas etapas
da vida, especialmente quando forem adultos conscientes. Lembrarão com
carinho da escola que os orientou a não prejudicar o planeta.
A seriedade embasou este projeto e este foi fundamental para a obtenção
dos resultados satisfatórios, especialmente por percebermos a boa
recepção junto às famílias e a comunidade escolar, parceira na
realização das atividades, sempre que solicitados. Atitudes que vieram a
somar na relação família-escola, onde ambas devem estar unidas para o
pleno desenvolvimento infantil.
Sendo que todo processo educativo ambiental na Educação Infantil esta
sendo realizado com sucesso, pois as crianças e os próprios docentes
envolvidos na causa, até então enriquecem seus conhecimentos contagiando
todos que estão a sua volta. Na subjetividade de cada um essas
percepções se constituem fazendo a interação dialógica com o mundo e
transformando em ação.
Práticas como esta auxiliam na mudança de pensamento quando ainda se diz
que “criança vai para a creche apenas para ser cuidada”, pois os pais
tomam conhecimento da riqueza de muitas práticas, e vêem que nas EMEIS,
especialmente de Marau, os profissionais que desenvolvem estes projetos,
são pessoas capacitadas e preocupadas com o desempenho escolar num
todo, especialmente aqueles que apontam à preservação de valores ao
longo da vida.
As atividades seguem até o final do ano letivo, porém não findará com
ele, pois é projeto norteador das ações da escola. A cada dia novas
lições estão sempre aprendidas, atitudes analisadas e novas posturas
reorganizadas para a sua continuidade, primando por sua constante
melhoria. Comprovando este olhar e acreditando na ampliação do espaço
físico para a horta que hoje é de dois canteiros de 150 centímetros 0,75
centímetros cada um, o próximo passo será convidar os pais para
retirarem o restante das britas e esta horta poder contar com mais de
dois canteiros. Ampliando espaços, acreditamos que estaremos ampliando
idéias.
Para nós educadoras é um desafio formar sujeitos ecológicos através de
projetos duradouros, e desse modo desacomodando toda a comunidade
escolar. Quando isso ocorre alunos e professores fortalecem o vinculo
afetivo e passam a juntos cuidar do ambiente escolar e a se interessar
pelo que acontece fora dele envolvendo as famílias e deste modo passamos
a fazer diferença na vida de cada criança.
Embora saibamos que para o planeta nossa atitude possa parecer pequena,
para as crianças que tem uma vida pela frente, esta “pequena semente”
ambiental é de grande valia.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente e saúde. Vol. 7. Brasília: MEC, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 28 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
OLIVEIRA, Paulo de Salles. O que é brinquedo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
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